quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Robesval

Amanhã começam as aulas, mas eu não sei nem se vou conseguir dormir a noite toda. Talvez demore mais do que um sono. Talvez demore 9 horas, minuto por minuto, segundo por segundo, pra eu ter que acordar do meu não sono e ir pra faculdade. Reencontrar pessoas bonitas, pessoas feias, pessoas queridas, pessoas amadas, pessoas indiferentes, todas, à minha possível – provável – insônia.
    Pior pro Henrique, que vai pro meio da PUC amanhã, pela primeira vez. Vai esbarrar na Cecília e não vai conhecer o seu grande amor. Vai subir pelas escadas olhando pra tudo e pra todos, mas não vai conseguir porque são muitos e tem muitos degraus, e aí ele não vai saber se são degrais ou degraus.
Vai começar a suar, mas suar quente porque subir as escadas cansa e ele é gordinho. Vai pensar em se jogar da escada, sair correndo desprezando os degraus, dar de cara na parede sem saber o porquê, em descer a escada para não se jogar e ir pra casa, sair assobiando até o corredor mais próximo, em beber um pouco d’agua ou morrer afogado na pia do banheiro, lotado de gente com pizzas nos sovacos, gente fingido ser tudo aquilo que não é, mas que queria ser um dia, mesmo que isso seja exatamente o oposto do que deveria ser quem apenas tem medo.
    Mas não, pra Henrique medo não é só um apenas. E ele sairá do banheiro seco mas vai esbarrar em Rafaela, que também não é o seu grande amor, nem mesmo uma possível foda de entre aulas. Ele nem vai saber se Cecília e Rafaela têm esses nomes, vai até se perguntar por que que no primeiro dia de aula nessa porra as pessoas não usam crachás? Ninguém mais tem medo de não ser reconhecido? De não ser notado??
    Ele seria capaz de colocar um nome esquisito no seu crachá, tipo Robesval, só para as pessoas o notarem. Mas Rafaela não notou, nem Jéssica, nem Bruna, nem Flora, nem Rosa, nem ninguém. Ele andará pelo interminável corredor do prédio da PUC sem entender que coisas são essas que pessoas são essas, que merda é essa. Chegará na porta da porta de sua sala depois de já ter repensado muito o que faria. Olhará pela fresta. Voltará a suar. E então vai ver. 
    Sua pizza ressurge, sua voz desaparece da mente, o ar fica pesado, ele cai. De olho aberto. Seu grande amor estava ali. Roberto.
    Mas ninguém vai reparar. Ele seguirá sendo o gordinho que cai na porta da porta da sala. Nem Roberto o socorrerá. Henrique surtará em paz e decidirá virar Robesval.
    Robesval não se importa mais com pizzas, nem com degraus, nem com Cecília e sua turma. Robesval tem nome lindo e acha Henrique nome de gente chata, puta que pariu. Se joga no chão e grita, eu sou o gordinho Robesval que era Henrique e agora é só pensamento.

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Robesval não tem insônia, mas se alimenta da minha.

quinta-feira, 30 de março de 2017

Um poema pra Rosa

O tempo engatinhando
até a hora de chegar
minha inspiração

Demora o tempo
que a minha sobrinha
demora a andar

O foda é que ela
ainda nem me apareceu
em carne e osso

E eu fico escrevendo
essas merdas
por entre versos

Até a beleza
que ela terá
enxugar meus olhos

Com os passos
precisos e errados
que ela dará

E eu ter um refluxo
uma dor de cabeça
de tanta alegria

E enfim escrever
um poema pra Rosa

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Seu Juscelino

Seu Juscelino abre a porta!
deixa a brisa bater um pouco
deixa a janela respirar o ar
que não entra por ela
deixo o vento correr a sala
o corredor
fugir do frio do
cobertor
e ir quebrar aquele velho jarro de orquídea que já morreu faz
sete vidas

Deixa os cheiros de gente suja
e o perfume dos mal lavados
mudar um pouco esse odor
deixa o pássaro cantar mais perto
e se bater com a janela
que curte o ar frio
que vem de dentro da sua solidão

E senta aqui, ou ali na mesa
e conta do dia em que a chuva
tomou sua casa, tomou sua vida
só porque você não quis
abrir a porta seu Juscelino

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Papel filho da puta

Por que não dá pra escrever gritando?
As folhas são surdas que merda!
Meu único refúgio só me oferece solidão
-e o pior é que eu me amarro

Papel filho da puta
não aguentava mais ouvir as dores da sua mãe
e enlouqueceu

Charles Peixoto

Na poesia marginal
eu problematizo minhas ideias
e ataco o rei seja lá do que for

Na métrica eu escolhi amar.
No canto de uma sala, fumando
brincando com a dor dos outros

Mas já não é o amor
tão marginal nessa cidade?

-Cale a boca desse poeta!
e deixe o cigarro morrer pela metade.

O poeta

E a poesia ninguém quer mais falar?
Já me foi coisa mais séria:
rimar sonetos bicar as métricas
pra linha de fundo;
beijar palavras romper com acentos
e ir dormir sozinho

Nua e crua

Na ponta do dedo um machucado
inflamado com pus sangue carne
tudo junto querendo conversar
com a minha dor sem mais nem
menos mesmo que seja nojento
perceber esse sangue vermelho
jorrando de dentro de mim eu
que sempre me julguei bonito